quarta-feira, 8 de abril de 2015

Política e Sujeito em Butler

Voltando à questão da relação entre política e sujeito, desta vez a partir da problematização apresentada por Judith Butler em Gender Trouble, interessa-me, neste post, abordar, mesmo que de forma sucinta, um outro ponto.
Não sendo aqui o lugar para apresentação da tese central apresentada por Butler, relativa à performatividade de género, importa-me salientar a forma, a meu ver original, como estabelece a relação entre política e sujeito. Ao contrário do que poderia ser suposto, tratando-se de uma abordagem feminista e queer (e, logo, muitas vezes enquadrada nas denominadas "políticas de identidade"), a abordagem de Butler é singular não só pelo questionamento feito relativamente à existência de um sujeito definido a priori  (a tese de Butler vai no sentido não tanto de negar a existência do sujeito "mulher", mas de questionar e desconstruir a suposta universalidade, unicidade e coerência de tal categoria, salientando a sua diversidade e contingência, formada num dado contexto histórico de relações de poder, obrigando a que uma política feminista procure analisar e questionar sempre o seu sujeito político). A abordagem de Butler torna-se singular, justamente, pelo facto de salientar que, muitas vezes, uma política feminista (e, pretendemos aqui alongar, a política em geral), acaba por produzir, através das práticas de representação e ação política, o suposto sujeito político que diz representar e que toma como fundamento ontológico da sua própria existência enquanto movimento político.
Esta produção do sujeito através da sua representação, convém lembrar, não é exclusiva da política feminista, mas, justamente, remete para os próprios processos pelos quais os sujeitos são criados através da linguagem, e, em particular, através de determinados discursos, determinados regimes discursivos num quadro específico de relações de poder. Seria assim possível afirmar que um dos limites da política, da política em geral, quando alicerçada numa concepção bastante precisa e delimitada daquilo que é o seu sujeito político (seja a mulher, seja a classe operária, etc), passa não só pela dificuldade de tal sujeito político representar e descrever um sujeito com tais características específicas mais ou menos definidas, mas, igualmente, pela necessidade de que tal política não implique a produção, ou a adequação, de um dado sujeito àquilo que são características que se tomam como específicas destes - características estas, muitas vezes, tomadas como "anteriores" àquilo que são as práticas e contextos políticos e culturais próprios em que se desencadeia uma dada prática política. Ou seja, passam a ser tomadas como "naturais" as características que posteriormente irão definir aquilo que deverá ser, no seu discurso, nas suas práticas, nas suas relações, um dado sujeito político, e não tanto deixar em aberto a sua formação e construção, no quadro da ação política.
Além disso, para além do risco de uma dada política acabar por produzir e definir um sujeito político próprio - um sujeito político que, mesmo que não totalmente, não se deixa de adequar a determinadas normas, regras, comportamentos, discursos, de forma a relacionar-se com o movimento político específico em que se insere, numa ação que não deixa de envolver determinadas inclusões e exclusões -, essa produção, pelo facto de ocorrer num dado contexto histórico, não deixa de ser influenciada por aquilo que são as normas e relações de poder em presença. No entanto, e como já explorado em posts anteriores, é igualmente verdadeiro que, face ao facto de qualquer política ser sempre historicamente situada, e que, logo, mesmo que as tentativas de luta e emancipação face ao contexto experienciado sejam sempre marcadas por tal dimensão ontológica, esse dado contexto é sempre o início e o fim da política - ou seja, tanto a possibilidade de reprodução das relações de poder experienciadas, como a possibilidade de, no seu seio, procurar sinalizar os seus limites e construir possibilidades de fuga em relação às mesmas, no sentido da construção do "novo".
Em último caso, poderia-se dizer que uma política sem representação (não unicamente a representação parlamentar, mas a representação de uma subjetividade, de uma experiência política, de um pensamento, etc) e uma política sem um dado sujeito político, seria impossível. Não entanto, e mesmo dada a sua impossibilidade, poderia-se afirmar que seria justamente ideal uma política sem se encontrar presa à necessidade de representação e da existência de um sujeito político. A existência de tal política, sem uma representação exterior a ela, implicaria que esta se concretizaria na sua totalidade. Contudo, e talvez de forma mais decisiva, poder-se-ia igualmente afirmar que é dada a esta arbitrariedade e contingência da política que esta adquire o seu carácter mais inovador e inventivo, associada a algo não preso a algo que remeteria para um dado interior, mas a um contínuo processo de produção do novo - de uma nova subjetividade, de um novo contexto. Como conclusão, e regressando a Butler, poder-se-ia dizer que a política deve não tanto recusar a representação e um sujeito político, mas sim questionar, em cada contexto, quais as condições de emergência do mesmo, das suas subjetividades e processos de transformação, das possibilidades de ir para além das normas e relações de poder atualmente existentes. Sendo que, e agora remetendo para Agamben, é a partir de tal abertura que uma vida ética e política se torna possível.

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